PRISS: Minha relação com a música sempre foi obsessiva. Desde que tive acesso à internet, mergulhei no universo de pesquisar, baixar e aprender sobre música. A possibilidade infinita de descoberta sempre me fascinou — entrar na coleção de outra pessoa e encontrar uma raridade me traz uma sensação única. Toda vez que descubro um som especial, sinto que tive um dia de sorte. Comecei a tocar aos 16 anos, em festinhas de amigos. Mais tarde, me aventurei na produção musical, o que direcionou minha pesquisa para a música eletrônica. Isso me levou a frequentar festas do gênero e, aos poucos, fui entendendo a cultura que existe por trás da música eletrônica.
Foi nesse momento que me apaixonei não apenas pela dança, mas também pela comunidade musical que orbita esse universo. De forma muito natural, surgiu em mim o desejo de fazer parte dessa cena. Quis ser alguém que compartilha suas descobertas musicais e contribui para criar espaços de conexão e sinergia entre as pessoas. Estar atrás da cabine de DJ foi uma consequência desse caminho, um lugar onde sinto que posso trazer minha pesquisa para as pessoas e amplificar essa energia coletiva.
ERAM: Minha relação com a música sempre foi intensa e apaixonada. Desde pequena, estive cercada por sons e ritmos. Antes mesmo de tocar, eu já vivia a música de forma visceral, fosse frequentando festas ou colecionando faixas que me impactavam. A descoberta de que meu lugar era atrás da cabine aconteceu de forma natural, quase inevitável. Eu já tinha essa obsessão por encontrar músicas, entender como certos sons se encaixavam e o impacto que podiam causar no público.
MÍLIAN: Minha relação com a música vem desde criança, influenciada pela minha família e pelas pessoas próximas. Sempre fui de pesquisar e ouvir muita música, de todos os gêneros possíveis, sem limitar a minha escuta. Alguns anos depois, comecei a trabalhar na noite (ainda em Goiânia). Fui hostess por muito tempo, assistente de palco, produzi festas e, por ali, descobri e experimentei novas possibilidades. A arte de discotecar foi algo que aconteceu naturalmente. Eu já estava ali no meio do fuzuê, cercada de DJs, de música, de agitação... Quando dei por mim, já estava na missão atrás da cabine, me aventurando e agitando vários rolês pela cidade. Eu simplesmente aceitei o chamado do universo e me joguei, mesmo sem saber muito no que ia dar!
LAZA: Minha relação com a música eletrônica começou pela produção musical. Em 2019, lancei a faixa MC JESSI - AQFFE (LAZA EDIT) pelo selo Clube Tormenta, que teve uma ótima recepção—vendeu muitas cópias no Bandcamp e foi tocada por DJs do mundo todo em clubes e rádios. A partir daí, passei a produzir mais músicas voltadas para a pista, e foi nesse processo que surgiu meu interesse em ser DJ, especialmente quando tocava minhas próprias faixas e sentia a energia da galera dançando. Antes da pandemia, fui membro da plataforma de transmissão sonora A-mig, onde produzimos alguns eventos em São Paulo e construímos um público fiel na cena underground do SoundCloud. Nossa curadoria sempre priorizou a diversidade da música eletrônica brasileira—algo que, antes da pandemia, ainda era pouco explorado nas festas. No entanto, com o retorno dos eventos presenciais, essa mistura de estilos e ritmos passou a ser cada vez mais valorizada, tornando a cena ainda mais rica e plural.
MÍLIAN: Eu comecei a tocar por volta de 2013/2014. Morava em Goiânia e comecei tocando no clube onde já trabalhava há alguns anos. Eu já era bastante conhecida na cena underground da cidade, então não demorou muito para que eu conseguisse circular por outros rolês e cidades próximas. Na época, não havia tantas DJs mulheres no circuito do qual eu fazia parte. Inúmeras vezes, eu era a única mina em line-ups cheios de caras. E é muito incrível poder olhar em volta hoje e ver uma cena tão diversa, mesmo que aos trancos e barrancos.
ERAM: Minha trajetória começou no circuito underground do Brasil, tocando em festas que tinham uma energia crua e intensa. Minha primeira festa como DJ foi um marco—eu estava nervosa, mas, ao mesmo tempo, era como se já soubesse o que precisava fazer. Essa oportunidade surgiu muito pelo incentivo das minhas parceiras de coletivo, pois havia uma urgência em termos mais mulheres na cena, e essa necessidade me impulsionou. Desde então, muita coisa mudou. A cena cresceu, se diversificou e se profissionalizou mais, mas ainda mantém um forte espírito DIY que faz tudo pulsar.
No entanto, ser artista no Brasil nunca foi fácil. O contexto histórico, político e econômico sempre impactou diretamente a cena eletrônica, desde a falta de incentivos culturais até as dificuldades para espaços e eventos independentes se manterem vivos. A pandemia aprofundou essas dificuldades, e muitos artistas ainda sentem os efeitos desse período. Apesar disso, a cena demonstrou uma resiliência enorme, encontrando novas formas de existir e se reinventar. Hoje, a troca com artistas internacionais é maior, e o acesso à tecnologia ampliou as possibilidades, mas os desafios continuam. A urgência de se expressar através da música, no entanto, segue sendo o que mantém tudo em movimento.
MÍLIAN: É sempre muito gostoso poder me apresentar para um novo público. Na primeira vez, rolou um nervosismo gostoso que eu já não sentia há tempos, mas, quando subi no palco, tudo fluiu muito bem e consegui dominar a pista. Já toquei em alguns países na Europa, transitei por diversos tipos de rolês e públicos, e todas as experiências — sem exceção — foram únicas e especiais. A música tem dessas coisas, né? Transcende fronteiras, culturas e faz as pessoas se conectarem. Tive o prazer de sempre ser muito bem recebida e de conduzir pistas que estavam muito abertas e interessadas no que eu tinha a apresentar, e isso faz toda a diferença!
Acho que a cena no Brasil é muito mais diversa e "pra frente", sonoramente falando. Não teria como ser diferente: a gente é muito criativo e tem a ousadia de misturar e experimentar coisas fora da caixinha com uma facilidade absurda. E o resto do mundo tá ligado nisso, né? Acho que aqui a gente tem muito a mostrar, e lá fora eles têm muita curiosidade e interesse em ouvir e absorver. Por isso, tantos artistas brasileiros estão conseguindo circular mais lá fora, porque eles sabem que a gente manda bem e fazemos algo que é só nosso!
ERAM: Minha primeira experiência tocando fora foi um mix de ansiedade e euforia. Eu não sabia exatamente o que esperar, mas o que mais me surpreendeu foi como o público internacional estava aberto ao meu som. A recepção foi muito positiva, e percebi que, independentemente do lugar, existe uma conexão universal quando a música bate de verdade. Mas o que tornou essa experiência ainda mais marcante foi todo o caos antes de eu subir para tocar. Cheguei em Londres para um festival em Manchester e, logo de cara, perdi minha mala. Meu inglês na época era bem básico, então tudo parecia ainda mais difícil. Consegui chegar ao festival literalmente três minutos antes do meu set, sem tempo para respirar. Apesar de tudo isso, fui muito bem acolhida pelas pessoas que já tinham conexão comigo pela internet, o que fez toda a diferença. Esse suporte, tanto sonoro quanto presencial, me deu mais segurança para seguir e entender que eu pertencia àquele espaço.
As principais diferenças entre a cena brasileira e a internacional são estruturais. Fora do Brasil, muitos clubes e eventos têm mais suporte financeiro, o que permite que a experiência sonora e visual seja mais refinada. Mas, ao mesmo tempo, o Brasil tem algo único: uma energia de entrega que eu ainda não vi em nenhum outro lugar. Essa troca intensa com a pista é algo que carrego comigo, independentemente de onde estou tocando.
PRISS: Meu estilo musical é profundamente influenciado pelas minhas primeiras descobertas no universo sonoro, que vão do eletro ao post-punk. Minha pesquisa é uma fusão desses gêneros com elementos de latinidades e percussão. É um som feito para dançar, sem pretensões, mas cheio de alma. Inconscientemente, acredito que carrego muito do universo brasileiro, dos batuques e ritmos orgânicos, mas também da rebeldia e do lo-fi que o eletro trouxe em um momento crucial da minha vida. O universo dos sintetizadores, com toda a sua estética e possibilidades, me fascina profundamente.
Minha conexão com a música eletrônica começou com meu pai, que, nos anos 90, frequentava baladas e colecionava coletâneas de dance music. Ele costumava tocar essas músicas no carro durante as longas viagens para visitar minha avó, que morava bem longe. Esses sons, com vocais pop e descomplicados, ainda me acompanham e influenciam até hoje. Também sou apaixonada por tudo que tem um toque mais “dark”, vindo de um universo gótico e introspectivo. São sons que evocam um espírito de comunidade muito forte, onde todos dançam juntos, compartilhando energia. Acho isso incrível, e é algo que busco trazer para a minha música.
ERAM: Meu estilo musical reflete quem sou e o que sinto em cada momento. Se há algo que define meu trabalho como DJ, é a versatilidade. Como muitos DJs brasileiros, cresci tocando para pistas diversas, adaptando-me a públicos e estilos distintos dentro do mesmo país. Essa constante necessidade de adaptação me deu um olhar mais amplo e a capacidade de transitar entre cenas sem perder minha identidade.
Tocar fora do Brasil expandiu meu gosto musical, mas sem mudar minha essência. Absorvo influências e incorporo novas referências ao meu som de forma autêntica, sempre respeitando minha trajetória. Cada pista tem um contexto único, e encaro isso como uma oportunidade de explorar novas sonoridades e fortalecer minha expressão artística. Para mim, resistências e adaptações são desafios, não barreiras—sempre há uma maneira de apresentar algo novo sem perder a conexão com o público.
A barreira da língua, no início, me trouxe uma sensação de impotência, especialmente quando meu inglês ainda era básico. Mas a música sempre foi minha forma mais natural de comunicação, transcendendo idiomas e lugares. Essa troca constante me permite crescer e reafirmar minha identidade como artista. Além disso, conciliar a maternidade com a vida de DJ e produtora musical é desafiador. Há dias em que as responsabilidades me testam, exigindo um equilíbrio entre ser mãe e seguir minha carreira. Mas essa experiência também traz uma nova perspectiva para minha música, enriquecendo minha expressão e fortalecendo minha determinação.
MÍLIAN: Eu tenho uma pesquisa MUITO fluida e diversa, e não me prendo muito a gêneros. Gosto de dizer que toco música eletrônica com muitas influências latinas, essencialmente brasileiras, muita influência pop e muitos sons percussivos e dançantes. Às vezes, sou mais fritinha; outras, mais slow, mas sempre muito enérgica! Acho que uma particularidade minha é que costumo trazer referências mais antigas mescladas com sons bem modernos. Existe essa dualidade dentro de mim: gosto muito de coisas antigas, de épocas que nem vivi, ao mesmo tempo em que curto muito sons futuristas e experimentais.
Nos meus sets, tento sempre fazer essa dança entre esses dois universos, o que faz com que eu consiga me conectar com diferentes públicos. Converso com as novinhas e com as mais antigas, propondo esse encontro e troca entre gerações que se conectam pela música, que é atemporal. Não diria que meu estilo ou gosto musical mudou após o contato com a cena internacional, mas acredito que ele tenha se enriquecido. Houve muita troca com outros artistas de diferentes culturas durante essa andança toda. Então, ao mesmo tempo em que pude "ensinar" e mostrar um pouco do sauce brasileiro, também conheci e me conectei com novos sauces. Tento sempre agregar de alguma forma tudo isso na minha construção enquanto artista.
LAZA: Minhas inspirações são artistas brasileiros de todas as gerações, desde o surgimento do samba até a música eletrônica brasileira atual. Também me inspiro muito em outros países da América Latina, como Colômbia, México, Argentina, entre outros. Eu sinto que a necessidade de me reinventar vem mais de mim e do movimento musical brasileiro no qual estou inserida do que do próprio mercado musical. Historicamente, o Brasil é uma fonte de criação musical infinita. Passam décadas, e sempre surgem novos estilos e ritmos.
ERAM: Minhas inspirações vêm de muitos lugares, tanto de artistas quanto de momentos da minha vida. Minha pesquisa musical é algo fluido—tem dias em que fico em completo silêncio, e outros em que mergulho intensamente no garimpo, buscando desde lançamentos até faixas obscuras que ficaram pelo caminho. Muitas vezes, algo que ouvi anos atrás volta à minha mente e influencia o que faço hoje. A pressão para superar o que já fiz existe, mas tento não deixar que isso me paralise. É um desafio, mas é isso que me impulsiona a continuar criando e evoluindo. O mais importante é seguir experimentando e descobrindo novas possibilidades—nem tudo precisa ser um “próximo grande passo”; às vezes, o processo em si já vale a pena.
PRISS: 100%. Acho que levei um tempo para entender profundamente a relação entre música e política, mas quando você enxerga a pista de dança como um espaço de acolhimento e expressão social, tudo muda. A pista é um lugar de encontro, quase um ritual primitivo onde algo transformador acontece. Antes mesmo de uma consciência política, existe a consciência de pertencer, de viver em “bando” e de ser quem você realmente é. Estamos todos vibrando na mesma música, internamente sonhando, pensando e sentindo tantas coisas nesses momentos. É coexistir entre tantas pessoas, dividir, e, dentro de um universo íntimo, ir tão longe também.
Para mim, essa é uma das coisas mais emocionantes na cena. Dançar música eletrônica é também sobre liberdade, sobre não ter regras ou sobre criar as suas. A energia da rave constrói um espaço onde todos podem existir plenamente, sem limites ou imposições. E, na minha visão, essa sensação de liberdade e prazer é algo radical. Para a comunidade queer, esses momentos são especialmente significativos. São instantes de acolhimento, de pertencimento, onde nos sentimos verdadeiramente juntos. Mas, além disso, a pista é um espaço de resistência coletiva, de celebração do que somos, em oposição ao conservadorismo e às normas que tentam nos silenciar. A música e as festas, nesse contexto, são ferramentas poderosas de transformação e resistência política.
ERAM: Festa sempre foi política. A simples existência de espaços onde corpos marginalizados podem se expressar livremente já é um ato de resistência. A música tem um poder transformador porque cria comunhão, dá voz e cria espaços onde as regras do lado de fora não se aplicam. Diante do avanço do conservadorismo, festas e movimentos musicais são ainda mais essenciais – não só como espaços de celebração, mas como refúgio e ferramenta de luta.
LAZA: Estou obcecado em As Novinhas - Jorge Thomas.
PRISS: Ando prestando muita atenção a uma DJ chamada ābnamā, de Berlim, via Teerã. Ela faz um som bem chique, meio seco e obscuro, mas com muito swing e pequenas surpresas… são sets muito interessantes que têm me inspirado bastante.
MÍLIAN: Não sei dizer uma música que não paro de tocar, porque quase nunca lembro muito bem o que toquei, haha. Mas já faz um tempo que estou obcecada em ouvir "Soft Spot" do JMSN em algum momento do meu dia. Amo demais essa música!
ERAM: Uma música que tem me acompanhado nos últimos anos é "In Brasa Juke", minha colaboração com o Tabu. Ela sempre tem uma ótima resposta da pista e de artistas no mundo inteiro, além de se encaixar naturalmente no meu som. Acho que, de certa forma, ela representa bem minha identidade musical e dialoga com o que eu gosto de construir nos meus sets. Acabou virando uma constante, não por obrigação, mas porque faz sentido dentro da minha sonoridade. Além disso, carrega memórias afetivas importantes do processo de criação, que foi marcado por trocas intensas e espontâneas. Acho que essa energia também se reflete quando toco a faixa, e talvez por isso ela continue tão presente nos meus sets.