Meus pais tinham uma locadora de filmes, então passei a infância rebobinando fitas cassetes e assistindo filmes repetidamente rs. Sou dessas que não confia em filmes novos, amava assistir dezenas de vezes o mesmo filme até observar minuciosamente os detalhes e decorar as falas. Sou assim até hoje rs. As narrativas que mais me interessavam eram sempre as que despertavam o máximo de emoção em mim, e vejo que é o que eu busco construir nos meus trabalhos hoje. Por tanto meus gêneros preferidos eram terror e drama, por volta dos meus 10 anos assisti incontáveis vezes O Massacre da Serra Elétrica e Psicose. Além de assistir gostava de reproduzir as cenas dos filmes com meus primos.
Morei em um sítio até meus 16 anos, o que me fazia criar com o que tinha na natureza. Desde nova escrevia roteiros com meus primos e nos apresentavamos para família, a gente levava muito a sério rs. Quando surgiram as câmeras digitais foi uma "revolução", porque agora a gente poderia filmar as nossas histórias. Tudo chegava muito tempo depois no interior, mas quando conseguimos ter uma Olympus começamos a criar pequenos filmes e videoclipes com direito a efeitos especiais. A maioria filmamos em plano sequência e depois quando tive acesso à programas de edição começamos a fazer cena a cena.
Na adolescência acreditei que faria moda na faculdade, até que conversei com uma designer de moda e entendi que não era exatamente o que eu queria. Lia semanalmente os blogs de moda e assistia aos desfiles de Paris pelo youtube. Era um grande sonho um dia trabalhar e acessar esses espaços, que eram muito distantes em todos os sentidos da minha realidade em um sítio no interior de Minas. Frequentar hoje desfiles de marcas como Dior, Balenciaga, Rabanne por conta do meu trabalho fazem a Olívia de 12 anos realizada.
Ao pesquisar mais sobre os cursos que me interessavam escolhi Publicidade, que era onde eu poderia unir a moda e o cinema. Meus pais nunca tiveram contato com esse meio, mas sempre me fizeram acreditar que seguir meu coração era o melhor caminho. E ter o apoio deles fez com que tudo parecesse mais possível. Mas digo para além do apoio financeiro, eles me ajudaram nessa parte nos 2 primeiros anos, mas mais por acreditarem nos meus sonhos comigo.
Além de ter passado a infância e adolescência em uma locadora de filmes e inventando incontáveis narrativas com meus primos, outro contato com as artes que foi muito presente na minha rotina era a pintura. Pintei dos meus 8 aos 15 anos, o que eu sinto que me trouxe uma noção forte de cores e formas e ali fui formando uma personalidade visual de uma forma orgânica.
Meu pai era DJ nos anos 70 e depois abriu uma empresa de som para eventos, ele que promovia grande parte da cultura da região da Zona da Mata de Minas. Ele foi um homem muito criativo e precursor, a maior parte da vida ele se dedicou em promover eventos beneficentes junto com minha mãe que é assistente social. Eles sempre fizeram muito com pouco, e são sem dúvidas uma das maiores inspirações da minha carreira.
Entrei na faculdade em 2011 e tive muitos empregos até ter meu primeiro contato com o audiovisual, que foi trabalhando no laboratório de fotografia analógica da faculdade. Eu revelava filmes e era monitora dos alunos nas aulas de fotografia. Sabia que eu queria trabalhar criando narrativas, mas sentia uma certa limitação na fotografia.
Um tempo depois decidi me inscrever para trabalhar no Laboratório de Vídeo da faculdade, passei na seletiva e o iniciei a trajetória onde eu aprendi a base de conhecimentos cinematográficos. Eu aproveitava todas, absolutamente todas, as oportunidades que a faculdade oferecia de cursos, workshops, palestras extras para entrar em contato com professores e pessoas que estavam no mercado. Ficava sempre no final pra me apresentar e dizer que eu estava disponível para o que aquelas pessoas precisassem. E foi assim que tive minhas primeiras oportunidades trabalhando com moda e quando me formei já estava contratada em uma produtora.
Pra mim desenvolver uma carreira é muito além de conhecimentos técnicos e artísticos, no final é sobre relações. É correr muito atrás, ouvir muitos nãos e portas se fecharem e em contrapartida não desanimar. É acreditar com toda força no que você quer entregar pro mundo e como você quer tocar as pessoas com o seu trabalho, isso é extremamente íntimo e tem muita força. Se você não desiste no tempo certo as portas se abrem, as conexões certas aparecem e o caminho flui. Mas pra isso você tem que correr muito atrás e na maioria das vezes abrir mão da sua vida pessoal. Pelo menos foi assim pra mim que não vim de um berço onde esse caminho já era fácil e acessível. Sinto que essa trajetória me ensinou a dar tudo de mim em cada oportunidade e a valorizar muito mais cada passo, e é assim pra mim até hoje. Me comprometo 110% com todos os projetos que faço.
Os meios de se locomover por Paris foram meu primeiro ponto de partida para escrever Callback Express, e sabia que trazer a película traria mais profundidade para a narrativa. A Fort é uma revista que tem um viés documental e inicialmente pensei em explorar a rotina de alguém que trabalha com moda em Paris. A cidade por si só traz muitos estímulos externos e internos, sinto que sou atravessada de inúmeras formas o tempo todo em que me locomovo por lá. As vivências culturais, os cheiros, as conversas cruzadas, os sons extremamente inquietos, os encontros despretensiosos e a rotina que é sempre tão intensa e inesperada de quem trabalha com a moda. Essa foi minha quinta temporada trabalhando em Paris e passei um mês. Sinto que o caos e os imprevistos são um looping sem fim que a cidade nos traz. E pode parecer contraditório, mas me sinto em casa e confortável assim rs.
Conseguir executar esse trabalho foi uma experiência muito valiosa e de muitos aprendizados, foi meu primeiro trabalho dirigindo uma equipe francesa e ao mesmo tempo 100% pelicula. Na temporada anterior, em março, tinha me conectado com Johan, o diretor de fotografia, e combinamos de criar algum projeto juntos. Quando voltei em setembro, no meu primeiro dia em Paris fiz uma imersão para outro trabalho, mas comecei a ter ideias para esse projeto no meio do processo. Me reuni com o Gab, que representa a Fort em Paris, dividi com ele a vontade de fazer acontecer e ele embarcou comigo. Na sequência, convidei o Johan para colaborar, e além dele ter topado conseguiu toda a estrutura desde os equipamentos à equipe. Já era um belo início para tudo que tinha por vir.
Uma referência e inspiração visual foram os trabalhos do Tyler Mitchell, que eu admiro imensamente e são extremamente relevantes para a cena da moda contemporânea.
Na primeira conversa com o Johan que vi a possibilidade de filmar em película senti que seria o melhor caminho para trazer mais força para a narrativa. No final da conversa não tivemos dúvidas que seria em 16mm.
Foi uma experiência incrível trabalhar com uma equipe francesa, eles foram extremamente receptivos e com muita vontade de fazer acontecer. Dois dias depois fiz outro shooting para outra revista e grande parte da equipe topou fazer acontecer também, eles foram muito queridos e abertos para criar.
Eu e Johan fizemos uma visita técnica um dia antes, então já sabíamos exatamente as locações, ângulos e movimentos de câmera que iriam funcionar em cada cena. Como ele é parisiense facilitou muito esse processo, eu dizia pra ele o cenário que eu queria e ele já tinha exatamente a locação perfeita.
Vários imprevistos e muita história pra contar rs. Foi um dia típico parisiense, muita chuva, vento frio, metrô lotado e no finalzinho abriu um sol com direito a arco iris. Tudo isso filmando em 16mm foi um mega desafio, conduzir a equipe a dirigir a modelo em uma externa sem muita estrutura. E com película temos sempre que ensaiar antes de fazer valendo, e essas não eram as melhores condições climáticas definitivamente.
O patinete e a van surgiram na hora meio de surpresa, mas deu certo. O Gab parou um cara dentro de uma van e perguntou se podíamos alugar ela. O homem foi super bonzinho e disse que morava na van mas que alugava pra gente rs. Só assim conseguimos fazer as cenas da moto, que por sinal foi emprestada do Johan rs. A princípio o Gab ia dirigir, mas com a chuva acabou sendo o Johan mesmo. Ou seja, além do dop, ainda teve que quebrar esse galho rs. E por aí vai, ficaria aqui horas contando das aventuras desse dia.
As cenas do carrossel não deram tempo de serem filmadas, então decidimos abrir outra diária. Minha ideia inicial era a nossa protagonista Helô andar no carrossel, fui em pelo menos uns 7 carrosséis de Paris antes, mas eles diziam que adultos não poderiam subir. No final é muito sobre o dia e a pessoa que está no guichê, porque a Nati nossa stylist já tinha subido com amigos nesses mesmos carrosséis sem problemas. Tentamos a sorte no de Tuileries que ficava em frente a casa do Gab que era nosso QG, mas de fato eles não deixaram. Então acabou se tornando uma linguagem do filme, o único momento em que ela está parada.
E no final o mais gratificante foi a entrega e empenho de ver todos fazendo acontecer, isso realmente não tem preço.
Talvez se eu soubesse como teria sido a experiência em película com o contexto do dia teria escolhido o digital rs. Com certeza teríamos ganhado mais tempo, mas ao mesmo tempo não teria a personalidade que só a película traz.
Eu estava vindo de um mês intenso trabalhando para muitas marcas e revistas no Fashion Week. Desenvolvi o Callback Express nos micro espaços de tempo que eu tive e quando acabaram os desfiles me dediquei totalmente. Sinto que fiz tudo que pude e que estava ao meu alcance, e sei que todos da equipe também.
Para mim um projeto autoral envolve muito além de um desejo individual, ele precisa contemplar os sonhos do grupo para vir pro mundo. Portanto sou extremamente agradecida a Cássia que acreditou e abriu espaço na revista para criarmos juntas, ao Gab que fez tudo ser possível em Paris, à Immigrant, produtora que sou representada, que deu todo suporte para a pós produção no Brasil e à toda equipe talentosa presente na ficha técnica que fez nascer Callback Express.